Não bebo para me esquecer de quem sou, simplesmente não sei quem sou, o que sou, o que quiserem. Não bebo sempre, mas são várias as vezes em que bebo e perco o controlo. Procuro a sensação de me perder, porque no fundo é isso que sinto todos os dias como um peso no peito. Procuro perder-me, atingir aquele estado em que as vozes ficam longe, os pensamentos ficam demasiado altos e os sentimentos muito perto. Procuro perder-me na esperança de me encontrar, na esperança de que daquele copo de vinho ou daquele charro emerja o meu ser, a minha pessoa. Porém, a única coisa que surge são frases sem sentido, comportamentos parvos, atos que magoam tudo e todos à minha volta, são vidros partidos e nódoas no corpo, são mãos que me tocam sem eu querer ou saber, são feridas no corpo, memórias turvas, pessoas que se afastam. Tudo o que emerge é errado, é negro, é ao lado; tudo o que emerge é demasiado desadequado, caótico, estúpido para a realidade em que vivo. E, se calhar, tudo o que emerge é tudo o que sou. Daquele copo de vinho eu tinha esperança que surgisse algo de bom, de diferente do que aparentemente sou a cada dia, de diferente daquilo que sinto que é a minha vida; e quando sinto uma réstia de alegria, de ar fresco, quando os pulmões parece que se me enchem e ao mesmo tempo não consigo respirar mais, quando quase me sinto tão feliz que podia morrer assim, é porque tudo o que fiz deitou tudo a perder, é quando percebo que tudo o que sou, não é nada, não vale nada, não passa de uma farsa, de uma hipócrisia. Daquele copo de vinho eu esperava a ilusão de um sonho bom, mas devia simplesmente ter ficado a dormir, na minha cama, sossegada e, se não fosse capaz de melhor, deixar só a vida passar por mim.
Às vezes, vem a vontade a vontade de te ver sempre de estar contigo sempre de esquecer que tudo o resto existe e aí, venho embora, e procuro voltar a mim prefiro ter essa vontade aguentá-la, diluí-la no tempo esticá-la, fazendo-a durar, do que acabar com ela logo de uma só vez rapidamente, sem pensar e quase sem sentir então escrevo penso, pinto, sonho, grito, abraço essa vontade e trago-a comigo lá no fundo do peito como companhia E quando te volto a ver deixo-a sair para a sentir de novo e deixar que me invada e me faça feliz por te ver por te ter por estar contigo e sentir novamente aquela vontade louca sem sentido de esquecer tudo o resto e sou só ali contigo eu e a vontade e todos os outros sentimentos e sensações e tudo e tudo. Para depois voltar a mim para que possa voltar para ti sem me esquecer de quem sou e de quem tu és independentes um do outro.
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