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"A verdadeira bondade do homem só pode manifestar-se em toda a sua pureza e toda a sua liberdade com aqueles que não representam força nenhuma. O verdadeiro teste moral da humanidade (o teste mais radical, aquele que por se situar a um nível tão profundo nos escapa ao olhar) são as suas relações com quem se encontra à sua mercê: isto é, com os animais. E foi aí que se deu o maior fracasso do homem, o desaire fundamental que está na origem de todos os outros. (...)
Ainda tenho nos olhos a imagem de Tereza sentada num tronco a afagar a cabeça de Karenine e a meditar no fracasso da humanidade. Ao mesmo tempo, aparece-me outra imagem: a de Nietzsche a sair de um hotel em Turm. Vê um cocheiro a vergastar um cavalo. Chega-se ao pé do cavalo e, sob o olhar do cocheiro, abraça-se à sua cabeça e desata a chora.
A cena passa.se em 1889 e Nietzsche, também ele, já se encontrava muito longe dos homens. (...) A sua loucura (e portanto o seu divórcio da humanidade) começa no instante em que se põe a chorar abraçado ao cavalo.
E é desse Nietzsche que eu gosto, tal como gosto de Tereza que tem ao colo a cabeça de um cão mortalmente doente e que a afaga. Ponho-os ao lado um do outro: tanto um como o outro se afastam da estrada em que a humanidade, "dona e senhora da natureza", prossegue a sua marcha sempre em frente.
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(...)o amor que a une a Karenine é melhor do que o amor que existe entre ela e Tomas. Melhor, e não maior. (...) Parece-lhe que o casal humano foi criado de tal forma que o amor do homem e da mulher é a priori de uma natureza inferior àquela que pode ter o amor entre o homem e o cão (...)
É um amor desinteressado: Tereza não quer nada de Karenine. Nem sequer exige que ele a ame. Nunca se atormentou com as perguntas que trituram os homens e as mulheres: Gostará ele de mim? Já terá amado alguém mais do que me ama a mim? Amar-me-à mais do que eu o amo? (...) Se somos incapazes de amar, talvez seja por desejarmos ser amados, ou seja, por querermos alguma coisa do outro (o seu amor), em vez de chegarmos junto dele sem reivindicações e não querermos senão a sua simples presença.
E ainda há outra coisa: Tereza aceitou Karenine tal e qual como ele é, não tentou modificá-lo, deu a sua anuência prévia ao seu universo de cão, não quer confiscar-lho, não tem ciúmes das suas tendências secretas.
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Esta (Tereza) não pôde suportar aquele olhar e quase teve medo dele. Nunca olhava para ninguém dessa maneira, nem mesmo para Tomas. Só para ela é que olhava assim. Mas nunca com a intensidade que o fazia hoje, Não, não era um olhar desesperado ou triste. Era um olhar de uma arrepiante, de uma insustentável credulidade. Aquele olhar era uma pergunta ávida. Durante toda a vida, Karenine esperava que Tereza lhe respondesse e o que lhe dava agora a conhecer (ainda muito mais insistentemente do que dantes) era que continuava à espera de saber a verdade por seu intermédio (porque, para ele, o que lhe chega por intermédio de Tereza é sempre verdade: os seus "sentado!" e "deitado!" são verdades a que adere por inteiro e que dão sentido à sua vida).(...)
Tereza tinha consciência de que nunca mais ninguém olharia para ela assim.(...)
Deitou-se no chão ao pé dele e abraçou-o. O cão farejou-a muito devagar e lambeu-a uma ou duas vezes com um grande cansaço. Recebeu a carícia de olhos fechados, como se quisesse ficar com ela gravada para sempre na memória. Virou a cara para ele lha lamber do outro lado."
Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser
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