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Esperança num novo mundo

A Margarida nasceu num tempo em que gostar de pessoas do mesmo género era considerado estranho, excêntrico e acima de tudo anormal. A Margarida nunca sabia o que dizer às pessoas. Sempre se deu bem com toda a gente. No infantário, sempre brincou com meninos e meninas, sempre gostou de barbies e bonecas, da mesma forma que gostava de carros, de futebol e de brincar na lama. Tinha sempre dificuldade em perceber porque é que o azul era para rapazes e o cor-de-rosa para raparigas, até porque ambas eram as suas cores preferidas - como podia ela gostar de uma cor de rapaz? Estranho.
A Margarida foi crescendo, sentindo-se sempre um pouco esquisita, um pouco à margem, um pouco excêntrica, mas tentando sempre passar despercebida. A sua adolescência, foi vivida com algum custo, sem que soubesse o que fazer quando corava ao olhar para uma rapariga, ou quando um rapaz lhe dava a mão. Foi continuando a sua vida, sem se saber definir, sem saber exatamente quem era, o que queria, ou como lidar com a sua sexualidade. Até ao dia em que conheceu a Júlia e sentiu que, até então, ela era a única pessoa que a compreendia e com quem a Margarida podia simplesmente ser, sem fingir. Mas isso era estranho e mal-aceite, e a Júlia acabou por nunca passar de uma grande amiga, embora fosse na verdade o grande amor de Margarida, que acabou por casar com um rapaz que conheceu na faculdade. Dava-se bem com o Pedro e gostava dele e a vida foi correndo.
O mundo evoluiu e, passados vários anos, quando o seu neto lhe apareceu em casa confuso por se sentir atraído por pessoas de ambos os géneros, a Margarida disse-lhe: "Meu querido, gostar de pessoas é a coisa mais natural da vida, e se há uns anos não era bem visto, hoje em dia é algo normal, felizmente. Tu gostas de pessoas e isso é a coisa mais linda que pode existir.” Minutos depois a Mariana, de 12 anos, acordou do seu sonho, um dia depois de ter sido vítima de bullying, chamada de “fufa”, empurrada para o chão e agredida por um grupo de rapazes e raparigas. Apesar de triste e magoada, a Margarida acordava nesse dia com esperança num mundo melhor, acordava a pensar que valia a pena lutar por um mundo onde um neto seu seria respeitado e aceite na sociedade, independentemente do género da pessoa que ele viesse a gostar. Acordou a acreditar que um dia viveria num mundo onde se gosta de pessoas simplesmente e não de géneros.

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