Tive problemas de ansiedade, depressão e alimentação. Foram anos confusos para mim. Mesmo agora, relembrando, tudo é uma enorme confusão. Sei que me senti sozinha, mesmo quando não estava. Sei que houve pessoas que se afastaram. Sei que houve pessoas que não compreenderam. E outras que nunca se aperceberam.
Eram dias passados em casa, sem fazer nada, numa apatia que me prendia à cama ou ao sofá. Levantava-me ao fim do dia e arranjava-me o melhor que podia com a pouca energia que tinha para que ninguém se apercebesse ao chegar a casa.
Eram dias passados a comer tudo o que houvesse em casa, principalmente chocolates e fastfood, e se fosse preciso ir comprar algo mais ao supermercado ia; depois também eram dias de mau estar; e dias sem comer, só a beber chá e água.
Eram dias em que não conseguia sair de casa, em que estar fora de casa era altamente desconfortável e assustador. Lembro-me de faltar a formações que gostava; lembro-me de cancelar coisas com amigos; lembro-me de estar agarrada a outra pessoa, como se alguém me fosse fazer mal, só porque estava na rua.
Por vezes, gostava de ter lembranças mais vivas, mas talvez seja melhor assim. Lembro-me de ter oscilações de humor gigantes, sendo que as outras pessoas por norma, só viam quando estava no lado positivo. No lado negativo, normalmente fechava-me em casa, no quarto, no meu mundo, no meu buraco negro.
Como me preparava para trabalhar na área da saúde mental, sentia-me falhar. Pus em causa a minha capacidade e vi outras pessoas colocarem-na em causa também. Tinham razão, como é que eu poderia vir a ser psicóloga naquele estado? Faltando a compromissos, não conseguindo assumir responsabilidades? Como poderia tornar-me numa psicóloga se eu própria não estava bem? Custou, eu acreditei mesmo que não seria capaz.
Fui a psicólogos e psiquiatras; fui acompanhada, fiz medicação. Cometi o grande erro de achar que já estava bem e deixar a medicação. Voltei a tomar, eventualmente deixei de tomar. A psicologia ajudou, era pelo menos um local onde eu sabia que não tinha de fingir, onde sabia que me compreendiam, onde ninguém ia dizer que eu estava a inventar, onde me queriam mesmo ajudar. Escrever também ajudou. Ajuda-me a processar e sentir as emoções, em vez de as ignorar. Eu achei durante muito tempo que não ia passar, que ia ser sempre assim.
Até que, eventualmente, foi melhorando até chegar ao momento em que estou hoje. Demorou tempo. Hoje acho que consigo perceber quando estou a voltar a cair e arranjar formas de me ajudar. Conseguir chegar a um ponto de algum equílibrio e resistir em situações mais difíceis. Ainda estou a aprender, mas há anos que não me sentia tão bem. Mas acho que consegui chegar até aqui, porque tinha conhecimento sobre o que me estava a acontecer e ainda que tenha sido dificil, consegui procurar ajuda de diferentes formas.
Não é fácil reconhecer que temos um problema; não é fácil procurar ajuda, depois de termos profissionais a dizerem que não precisamos; não é fácil continuarmos a tentar, quando parece que está a demorar muito tempo; não é fácil acreditarmos em nós, quando a nossa mente só se foca no que fazemos errado; não é fácil sorrir e conviver, quando só queremos chorar no nosso canto. Não é fácil, mas é possível. E é sempre mais possível se as pessoas tiverem informação sobre a saúde e a doença mental para que se possam ajudar a si e/ou a outros. Para que possam facilitar o processo. Para não sejam mais um dedo a apontar e a criticar uma pessoa que já se critica e desvaloriza todo o dia, todos os dias.
No outro dia fui a um festival de saúde mental e dei por mim a chorar num teatro lá apresentado, sobre estigma. No início pensei: "que tola, estás a chorar, porquê?". Depois percebi, nesse momento tudo isto me passou pela cabeça. Nesse momento identifiquei-me.
A saúde mental é importante.
Os psicólogos não são só para os malucos.
E afinal, o que é ser maluco? Não somos todos nós um pouco malucos?
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