" Depois de cerca de 10 dias em Itália, a Depressão e a Solidão acabam por me encontrar. (...)
Mas quando páro e me apoio numa balaustrada para admirar o por-do-sal, acabo por pensar demais e os meus pensamentos tornam-se sombrios, e é então que as duas me encontram.
Aproximam-se de mim, silenciosas e ameaçadoras, como detectives particulares, e cercam-me - a Depressão pela esquerda, a Solidão pela direita- Nem sequer precisam de me mostrar os seus distintivos. Eu conheço-as muito bem. Há anos que temos brincado ao gato e ao rato. Embora eu reconheça que estou surpreendida por encontrá-las neste elegante jardim italiano, ao entardecer. Elas não combinam com este lugar.
Pergunto-lhes: Como me encontraram aqui? Quem vos disse que eu tinha vindo a Roma?
A Depressão, sempre armada em espera diz: Como assim, não estás feliz por nos veres?
"Vão embora" , digo-lhe.
A Solidão, a mais sensível das duas, diz: Desculpa, mas eu talvez precise de seguir a tua sombra durante toda a viagem. É a minha missão.
"Eu preferia que não fizesse isso", digo-lhe, e ela encolhe os ombros, quase a pedir desculpas, mas aproximando-se mais.
Então, elas revistam-me. Esvaziam os meus bolsos de qualquer alegria que eu trouxesse. A Depressão chega a confiscar a minha identidade; ela faz sempre isso. Então, a Solidão começa a interrogar-me, coisa que detesto, porque dura sempre horas. Ela é educada, mas implacável, e acaba sempre por me encurralar. Pergunta se eu acho que tenho algum motivo para estar feliz. Pergunta por que estou sozinha esta noite, outra vez. Pergunta (embora já tenhamos passado por este interrogatório vezes sem conta) por que não consigo manter um relacionamento, por que arruinei o meu casamento, por que estraguei tudo com David, por que estraguei tudo com todos os homens com quem já estive. Pergunta-me onde eu estava na noite em que completei 30 anos e por que as coisas azedaram tanto desde então. Pergunta por que acho que mereço umas férias em Roma, quando transformei a minha vida num verdadeiro caos. Pergunta por que acho que fugir para Itália como uma estudante universitária me vai fazer feliz. Pergunta onde acho que vou estar quando ficar velha, se continuar a viver assim. Volto a pé para casa, à espera de me conseguir livrar delas, mas elas continuam a seguir-me, essas duas capangas. A Depressão segura-me firme pelo ombro e a Solidão bombardeia-me com o seu interrogatório. Não tenho sequer forças para jantar; não quero que elas fiquem a espiar-me. Também não quero que subam as escadas até ao meu apartamento, mas conheço a Depressão, e sei que ela carrega um cassetete, então não há como impedi-la de entrar, se ela decidir que quer fazê-lo.
"Não é justo vocês virem aqui", digo à Depressão, "Já vos paguei tudo. Já cumpri a minha pena em Nova Iorque."
Mas ela dá-me, simplesmente, aquele sorriso sombrio, acomoda-se na minha cadeira preferida e acende um charuto, enchendo o aposento com a fumaça desagradável. A Solidão olha para aquela cena e suspira, em seguida deita-se na minha cama e cobre-se, inteiramente vestida, de sapatos e tudo. Estou a sentir que me vai obrigar a dormir com ela, novamente, esta noite."
Comer, Orar e Amar , Elizabeth Gilbert
É qualquer coisa dentro deste género. E, sim, sinto também que me vai obrigar a dormir com ela esta noite. Mais uma noite. Mas uma noite destas vou zangar-me e expulsá-las da minha vida. Não são boa companhia.
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