Avançar para o conteúdo principal

OFF

Às vezes, desculpa-me, é tão difícil para mim conviver contigo, mãe. E acredita que me sinto tão triste a escrever isto, mas mais uma vez hoje tive a prova de que para a muita gente da minha família eu não passo de lixo. Sei que estavas um pouco chateada com outras coisas e tentei compreender, até pedi desculpas, agora tratar-me daquela maneira acho que era escusado. Porque me fizeste sentir mesmo lixo ou pior, zero, vazio, nada! Sinto que não presto, não sirvo para nada e que faço tudo errado! Por muito que tente mudar isto acho que nunca vou conseguir, porque deve ser isto que tu vês quando pensas ou olhas para mim...
Sinto-me frustrada porque vou tentando fazer de tudo para que haja equilíbrio entre nós, mas não consigo e o pior é que, apesar de muitas vezes conseguir ver tudo muito claro e perceber que o problema não está em mim ou pelo menos não só, no resto do tempo, acredito mesmo que sou a culpada de tudo o que de mal acontece cá em casa.
Eu bem que tento também manter a casa mais ou menos arranjada (enquanto o meu irmão nada faz), mas quando há algo a apontar vens logo ter comigo e chamar-me à atenção, eu vou contigo às compras ajudar-te, eu cozinho, eu tenho tudo certinho na faculdade, eu trato das minhas próprias coisas em termos de saúde, transporte e tudo o resto. Acho que é só mesmo a alimentação que me dás assim directamente, porque de resto eu trato da minha vida, não te peço nada, mas também não te atiro à cara que faço tudo sozinha, porque isso não faria sentido. Mas tu hoje não hesitaste e, para além de tudo o que tinhas dito, dizes ainda que eu só sei pedir coisas e que quando é para os outros nada - "começas a tratar tu das tuas coisas!". É estúpido, mas fizeste-me sentir culpada e ingrata por comer da comida que tu compras - que vergonha me dá dizer isto, porém é a pura das verdades, fizeste-me sentir em dívida para contigo por me alimentares, às vezes, e por me dares tecto. O que acontece é que não me lembro de te pedir nada para mim, não me recordo, nem te exijo nada, deixo-te fazer a tua vida, porque já percebi que tens de ser tu a acordar para ela e saíres dessa relação. Mas eu não te exijo nada, só que tu, se calhar nem te apercebes, é a mim que tu exiges tudo. Sempre que precisas de ajuda - INÊS! - , é preciso comprar algo à ultima da hora - INÊS! - a caixa do gato está suja - INÊS! - a casa está de pernas para o ar - INÊS!. INÊS! INÊS! INÊS! E, mais: nunca posso estar sossegada e à vontade para chegar tarde a casa, para ter uma noite descontraída e em paz com o namorado ou amigos, porque também aí toca logo o telefone - INÊS! Lembra-te, que nem nos meus anos, me deixaste festejá-los à vontade, quando eu estava simplesmente a dormir nos braços da pessoa que mais amo e sempre me apoia. Nem no meu dia. 
Não percebo as tuas atitudes quando afinal és tu que me procuras para tudo e me bombardeias com pedidos e coisinhas para fazer e te ajudar. Não percebo essa tua pseudo-relação com esse gajo - que é assim que deve ser tratado, porque deixou de merecer o meu respeito - mas também não tenho de perceber, só não tenho de aguentar ser o teu saco de batatas, a pessoa de quem te serves para te sentires melhor, para descarregares a tua raiva e culpares de todos os males da tua vida. Não, mãe, desculpa-me, mas não vou deixar-te pisar-me mais. Já não sei se essas atitudes têm alguma relação com a pessoa que tenho a meu lado ou se é por outra coisa qualquer. Não me interessa, não tem justificação. Dizes que vou começar a tratar das minhas coisas? Pois é mesmo isso que eu vou fazer, mãe. Vou tratar de mim, fazer apenas as minhas coisas, aquilo que me diz respeito e esquecer o resto. As férias estão quase a chegar e eu vou aproveitá-las enquanto não arranjar um emprego - se arranjar - e não vou querer saber de mais nada. Poderás gritar, ligar-me quantas vezes quiseres, deixar mensagem, eu não vou ouvir porque vou estar na minha. Se precisares de mim, quer dizer, se realmente precisares de mim, eu cá estarei. Mas para o resto, esquece. Tudo tem o seu limite.
Peço-te desde já desculpas, porque sei que não vai correr bem e não vais gostar. A minha única esperança é que acabes por perceber e modificar os teus comportamentos e atitudes, se não, também já percebi que não tenho muito a perder.

Se estou triste? Estou, mãe, muito. Mas, repara, tu estás aí no teu quarto, e estás-te nas tintas para mim - o que fizeste tu hoje quando eu disse que ia para a consulta, à qual tu me querias acompanhar? Não te querias arranjar à pressa, pois. Eu sei que estavas a pensar em ir depressinha às compras para poderes ir rapidamente para a praia. Mas quando cheguei da consulta, estavas  tu ao telefone a discutir com o teu pseudo-gajo e eu ainda fui às compras contigo ajudar-te, arrumei as compras, fiz a sopa e estendi a roupa, porque tu estavas com pressa! Nunca tive grande vontade que viesses comigo à consulta, mas isso fez com que eu acreditasse que te preocupas mesmo. Ups, percebi que não e desiludi-me e não quero que vás a nenhuma consulta nunca - faz parte da minha vida. Minha e só minha. Eu não me estou nas tintas para ti e sei que vou continuar a preocupar-me e ainda me hei-de deixar pisar algumas vezes, provavelmente, mas acredita vou desligar.  Tenho de desligar, porque eu estava a conseguir levantar-me de novo, ter a minha tranquilidade e equilíbrio, e hoje estava a ser um dia tão calmo... Não, tu não és a culpada dos meus problemas, eu é que tenho de ser suficientemente forte para superá-los, mas definitivamente também não ajudas. Mesmo tendo conhecimento, não ajudas, não entendes, nem queres entender. Pois bem, eu também já não preciso da tua compreensão nem ajuda. Já me levantei sozinha muitas vezes, e vou continuar a safar-me muito bem. Volto à mesma conclusão que cheguei à uns tempos atrás: os amigos são a minha verdadeira família.
Desliguei, desculpa-me qualquer coisa que tenha feito ou que venha a fazer.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Paixão

Sei que a maioria das pessoas diz que a paixão é temporária, o que importa mesmo é que exista o amor verdadeiro e companheiro. Mas, desculpem-me, eu cada vez concordo menos com isto. Cada vez acredito mais que a paixão é realmente importante e completa o sentimento de amor. A paixão é todo o desejo, impulso, fogo que sentimos pelo outro; o amor é mais calmo, mais estável até, por isso é que muitas vezes amamos, só que a paixão não está lá, o que faz com que algo não esteja bem, sentimos que falta algo, sem saber bem o quê. É preciso que se cultive a paixão, que se vá alimentando a fogueira, porque esta paixão foi muitas vezes aquilo que nos fez dar o primeiro passo, atirar de cabeça. Esta paixão foi aquele desejo súbito de estar com o outro, de nos entregarmos, mesmo que sem segurança nenhuma, sem nada que nos dissesse "é para valer" ou "vai dar tudo certo". Esta paixão é a vontade pura e primeira do outro, da sua pessoa e do seu corpo. Acredito que é, frequentem...

a vontade

Às vezes, vem a vontade a vontade de te ver sempre de estar contigo sempre de esquecer que tudo o resto existe e aí, venho embora, e procuro voltar a mim prefiro ter essa vontade aguentá-la,  diluí-la no tempo esticá-la,  fazendo-a durar, do que acabar com ela logo de uma só vez rapidamente, sem pensar e quase sem sentir então escrevo penso, pinto,  sonho,  grito, abraço essa vontade e trago-a comigo lá no fundo do peito como companhia E quando te volto a ver deixo-a sair para a sentir de novo e deixar que me invada e me faça feliz por te ver por te ter por estar contigo  e sentir novamente aquela vontade louca sem sentido de esquecer tudo o resto e sou só ali contigo eu e a vontade e todos os outros sentimentos e sensações e tudo e tudo. Para depois voltar a mim para que possa voltar para ti sem me esquecer de quem sou e de quem tu és independentes um do outro.

Dizer adeus no trabalho

Não nos preparam para isto. Nunca ninguém me falou disto e nunca pensei passar por isto desta forma. Mas a verdade é que nas profissões da área social, não é possível ignorar a parte relacional. Aliás, essa é a parte mais importante do nosso trabalho, as relações significativas que criámos com as pessoas, com os utentes ou clientes, como lhes quiserem chamar. São pessoas. Pessoas a quem nos ligamos, de quem gostamos e de quem sentimos saudades. Sim, nem todos os dias são cor-de-rosa e nem sempre saímos do trabalho com um sorrido no rosto. Mas isso não significa que não gostemos dessas pessoas. Só que ninguém nos prepara para o momento em que temos de sair. Principalmente, quando sair não é uma decisão nossa. É um murro no estômago, e levantam-se tantas questões: - o que lhes dizer, como lhes explicar? - quando lhes dizer? - como ajudar a conter as suas emoções, quando as nossas emoções também estão à flor da pele? - como deixar para trás anos de relação, de acompanhamento, ...